08 Agosto 2023
A Cúpula da Amazônia será realizada em Belém nos dias 8 e 9 de agosto, precedida por uma série de eventos da sociedade civil nos Diálogos Amazônicos – serão 405 no total. O encontro é visto como uma espécie de ensaio para a COP-30, que o Brasil sediará em 2025, também em Belém.
A reportagem é de Cínthia Leone, publicada por Instituto ClimaInfo e reproduzida por EcoDebate, 07-08-2023.
Esta reunião de líderes busca fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que tem sido relegada nos últimos anos. O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) foi assinado em 1978, mas nunca teve um papel operacional claro. A reunião deve servir para retomar o diálogo regional, fortalecer os laços entre os órgãos governamentais dos países e definir uma agenda para o desenvolvimento sustentável na região.
Os presidentes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela foram convocados, e quase todos estão confirmados. Uma exceção é o Equador, que está passando por uma temporada eleitoral agitada, incluindo um referendo para proibir a extração de combustíveis fósseis do Parque Yasuní, na Amazônia, que tem chances de ser aprovado no dia 20. O país enviará um ministro, assim como o Suriname.
Além dos chefes de Estado dos países amazônicos, representantes da Indonésia, da República Democrática do Congo (RDC) e do Congo estarão presentes para uma conversa preparatória para a Cúpula das Três Bacias, em outubro, em Brazzaville, no Congo (o credenciamento está aberto). Lula já declarou que quer ampliar a cooperação entre os países com grandes florestas tropicais, especialmente na questão do financiamento. Uma demanda comum seria levada à COP28, em dezembro – o presidente da Cúpula, Sultan Al Jaber, estará em Belém.
A cúpula foi concebida diretamente pelo presidente Lula como uma demanda para o Itamaraty. Desde que assumiu o cargo em janeiro, Lula mudou substancialmente a política externa com a ajuda de assessores de seu entorno imediato, liderados pelo ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. A agenda de cooperação climática é a mudança mais significativa e reflete uma reviravolta também na política ambiental interna.
A agenda florestal de Lula busca posicioná-lo – e ao Brasil – como um líder climático global. E ele terá pelo menos dois grandes palcos para isso, o G20 no próximo ano e a COP30 em 2025.
Mas esse líder não negocia a agenda climática separadamente da agenda de desenvolvimento, especialmente no caso da redução da pobreza. A última é o elemento mais central de sua campanha eleitoral e de suas duas administrações anteriores no início deste século.
A soma das agendas climática e de combate à pobreza apontam uma agenda econômica verde, que o ministro da economia, Fernando Haddad, prometeu apresentar este mês e pode ter alguns de seus detalhes adiantados durante a Cúpula. O plano terá cerca de 100 ações, incluindo a criação de um mercado de carbono regulamentado com metas setoriais e o incentivo aos setores verdes. Parte dessa agenda deverá ser aprovada por meio de decretos ou alterações regulatórias em mecanismos existentes, enquanto outra parte dependerá do Congresso.
Atualmente, os estados amazônicos estão entre os mais pobres do Brasil. O baixo nível de desenvolvimento humano se repete na Amazônia das outras nações da região. E a Colômbia vive uma das situações mais graves de conflito aliado à pobreza nas florestas.
No Brasil, já existe um instrumento importante para a diplomacia florestal: o Fundo Amazônia, que foi paralisado no último governo. Ele é administrado pelo BNDES e até 20% de seus recursos podem ser usados para financiar projetos florestais em outros países amazônicos.
Apesar da ambiciosa política climática de Lula, uma contradição não escapa ao escrutínio dos ambientalistas: a insistência em uma nova frente de extração de gás fóssil na Amazônia para a Petrobras, cuja licença já foi negada pelo IBAMA devido às avaliações de impacto ambiental deficientes e à sensibilidade ecológica da área.
Embora a sociedade civil e os cientistas estejam pedindo que a Cúpula apresente uma decisão ambiciosa contra a energia suja em favor da resiliência das florestas, os observadores familiarizados com o texto que está sendo negociado dizem que a declaração foi projetada para não abordar a questão.
Portanto, prepare-se para ouvir argumentos sobre como o dinheiro do setor fóssil seria essencial para uma transição econômica justa nos países em desenvolvimento – Al Jaber certamente está ensaiando essas palavras.
A ideia de que os combustíveis fósseis podem financiar a solução para os problemas que eles mesmos criaram e continuam a exacerbar não é sensata, mas ganha força porque falta dinheiro para promover uma economia de baixo carbono. A culpa é dos países ricos, que enriqueceram por meio do colonialismo e estão se recusando a pagar o que devem pelos danos climáticos, demonstrando também falta de solidariedade com as necessidades de desenvolvimento do resto do mundo e deixando de reformar o multilateralismo de acordo com as condições do século XXI. E esse tem sido o discurso favorito de Lula.
Os números anuais de desmatamento da Amazônia recém-divulgados pelo Brasil fornecem evidências de mudanças concretas nas políticas, além de belos discursos em fóruns internacionais. No Brasil, o desmatamento do ano é medido de agosto do ano anterior a julho do ano atual. Mesmo com o legado de meio ano sob o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, a taxa de desmatamento na Amazônia brasileira caiu 7,4%. Se olharmos apenas para o primeiro semestre de 2023, a queda foi de 34% – somente em junho, a redução foi de 41%, o menor nível desde 2018.
O monitoramento do desmatamento na Amazônia brasileira é robusto e está começando a ser estendido aos outros ecossistemas do país, todos mega biodiversos. Essa não é a realidade em toda a Pan-Amazônia, e espera-se que a declaração de Belém envolva mais cooperação técnico-científica nesse campo. Outro tema que estará no texto final é a segurança, já que a destruição da floresta está intimamente ligada ao crime organizado transfronteiriço.
As ameaças à Amazônia não se referem apenas ao combate ao desmatamento ou ao crime. Mesmo com a melhora da perda florestal, os incêndios estão maiores este ano do que em 2022, principalmente devido aos efeitos do El Niño, que começou a entrar em ação junto com a estação seca. Em um mundo mais quente, os incêndios se fortalecerão a cada ano na região, juntamente com a degradação interna da floresta, a perda de árvores de grande porte e a sobrevivência exclusiva de espécies mais bem adaptadas ao fogo e à secura – um ambiente semelhante a uma savana pobre em vida.
Independentemente da resposta dos governos, o encontro da sociedade civil de todos os países amazônicos já está produzindo um resultado concreto. A criação de um Grupo de Trabalho de organizações indígenas nacionais e regionais dos 9 países (Brasil, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana Francesa, Guiana, Suriname e Bolívia) para influenciar os processos internacionais desde a Cúpula desta semana até a COP-30, em 2025. A iniciativa é da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA).
As organizações da sociedade civil pan-amazônica estão solicitando principalmente que a Cúpula crie um entendimento para evitar o ponto de colapso da floresta e para uma eliminação global dos combustíveis fósseis. De acordo com as organizações, isso deve começar na própria Amazônia, que tem sido muito afetada por derramamentos e poluição atmosférica da indústria petrolífera.
O presidente colombiano Gustavo Petro está pronto para o pacote completo – o fim do desmatamento e dos projetos fósseis. Lula está indo apenas até o capítulo do desmatamento, insistindo no polêmico projeto da gigante estatal Petrobras na própria foz do rio Amazonas, responsável por despejar cerca de 20% de toda a água doce que chega aos oceanos. Com relação aos outros países, até mesmo um acordo para eliminar gradualmente o desmatamento nesta década é incerto.
Outra demanda da sociedade civil para a cúpula é o reconhecimento dos territórios indígenas e de outras populações tradicionais, áreas que comprovadamente representam uma barreira ao desmatamento. O cacique Raoni Metuktire, do povo Caiapó, realizou uma reunião de cúpula em julho com representantes indígenas da Amazônia, exigindo que o Brasil tome uma decisão definitiva sobre o Marco Temporal, tese que tenta restringir o reconhecimento de terras indígenas a 1988, quando foi promulgada a atual Constituição.
Um estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) estima que a adoção da tese poderia causar o desmatamento de 230 mil km² a 550 mil km² de áreas nativas na Amazônia Legal, no Brasil. Isso levaria à emissão de até 18,7 bilhões de toneladas de CO2 (dióxido de carbono) – o que equivale atualmente a 14 anos de emissões brasileiras. A análise considerou 385 terras indígenas cuja homologação foi assinada após a Constituição de 1988.
No Brasil, a criação do Ministério dos Povos Indígenas e o fortalecimento do órgão que demarca os territórios dos povos originários – a FUNAI – oferecem alguma resposta após quatro anos de uma política declaradamente anti-indígena. Entretanto, a situação dos direitos indígenas varia consideravelmente entre os países amazônicos.
Um ponto crítico para os povos tradicionais é o mercado de carbono, que se tornou um elemento de assédio e fraudes contra as comunidades indígenas e outras comunidades da floresta. O manifesto do cacique Raoni também pede o cancelamento das negociações sobre mercados voluntários de carbono até que os povos indígenas sejam treinados sobre o que é isso e os impactos em seus territórios.
A Assembleia dos Povos da Amazônia, realizada em julho com organizações de 9 países, apresentou 7 questões críticas para evitar o ponto de não retorno na Amazônia, esperando influenciar compromissos nos seguintes tópicos:
O texto da Cúpula Amazônica foi originalmente concebido a partir de consultas prévias realizadas nos primeiros meses deste ano e já passou por negociações em Letícia e Brasília em julho. Pessoas familiarizadas com o texto atual dizem que é improvável que ele aborde a questão dos combustíveis fósseis. Mas é possível que algo seja dito sobre “o impacto de grandes projetos” e a necessidade de consulta prévia e informada às populações na linha de impacto.
Mesmo assim, as demandas da sociedade civil, amplamente discutidas em 405 eventos pré-cúpula, estão previstas para serem incorporadas ao texto de Belém de alguma forma. No dia 2, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil realizou uma coletiva de imprensa na qual afirmou que essas demandas dos Diálogos Amazônicos seriam organizadas em eixos temáticos para serem entregues aos líderes da Cúpula.
A maioria das conversas mantidas pelas autoridades brasileiras que participaram da pré-cúpula dos Diálogos Amazônicos foi sobre dinheiro. A preocupação predominante são os altos níveis de pobreza extrema e o baixo desenvolvimento humano geral da Amazônia. Foram discutidos acordos especiais para o turismo e a agricultura sustentáveis e um maior nível de financiamento dos países ricos para a região. Não está claro como esse debate se refletirá na declaração final de Belém.
Com base no relato de quem viu as versões preliminares do texto em negociação, espera-se um conteúdo mais centrado na cooperação contra o crime internacional e na proteção de fronteiras; no controle integrado de tráfego aéreo; e em projetos ou até mesmo em um novo acordo financeiro para expandir o trabalho de monitoramento realizado pela OTCA. Uma meta comum de desmatamento até 2030 dará ao evento um sabor de sucesso, mas não está garantida.
Belém do Pará é a única cidade brasileira a assinar o Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis. A assinatura do tratado contrasta com os planos do governo federal brasileiro e do governo do estado do Pará, que querem que a Petrobras abra um novo campo de exploração na foz do rio Amazonas.
Durante a COP27 no Egito, o governador do Pará, Helder Barbalho, liderou a criação de um espaço de representação governamental à parte do estande oficial do país, cuja agenda estava a cargo do agronegócio. Sua estratégia foi reunir os governadores dos estados da Amazônia Legal e outros com uma agenda climática ambiciosa para uma conversa internacional que, entre outras coisas, buscou a candidatura de Belém para sediar a COP30, o que se concretizou este ano. Na cúpula desta semana, Barbalho está defendendo a criação de um mercado de carbono regulamentado como prioridade.
A cidade de Belém não tem a estrutura hoteleira necessária para sediar uma COP. Parte dessa demanda terá de ser atendida com acomodações oferecidas em imóveis de propriedade dos moradores da cidade. Algumas reformas urbanas estão planejadas, especialmente na área de mobilidade. O governador Helder Barbalho e o presidente Lula tem repetido que não querem maquiar a cidade, mas algum verniz pode ser usado com a ajuda de grandes indústrias poluidoras.
Com 1,3 milhão de habitantes (2,3 milhões na área metropolitana), Belém rivaliza com Manaus, no estado do Amazonas, pelo status de grande cidade amazônica do Brasil. Tem uma cultura única no Brasil, com música, culinária e outros aspectos culturais bastante típicos da Amazônia e com alguma influência do Caribe. A herança indígena é forte, assim como a religiosidade predominantemente católica.
Politicamente, o Pará, assim como São Paulo, tem um certo contraste entre a capital e o interior. Nas últimas eleições, a capital Belém votou por pouco em Lula, enquanto o restante do estado foi predominantemente pró-Bolsonaro. O Pará também é uma das regiões com as maiores extensões de desmatamento amazônico. Na véspera da Cúpula, o Presidente Lula foi ameaçado de morte por pessoas ligadas ao agronegócio no estado.
Marina Silva, Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil, disse:
“Quando iniciei meu mandato neste governo, muitos me disseram que o cenário era diferente de quando eu era ministra anos atrás. E eu respondi que uma das diferenças é o know how que adquirimos no campo do combate ao desmatamento no Brasil. Em 2003, também havia uma tendência de aumento do desmatamento na Amazônia […] e demorou mais de um ano para criarmos um plano de combate ao desmatamento e começarmos a ver os primeiros resultados de redução. Agora, com o conhecimento que já temos, e mesmo diante da maior complexidade do cenário, nesses primeiros seis meses chegamos a uma queda de 42,6%.[…] Muitas vezes nós, ambientalistas, somos acusados de sermos muito ideológicos. Esse resultado é sustentado por muita ciência sobre como a Amazônia e o desmatamento funcionam. E, além disso, houve uma decisão política de recuperar a agenda ambiental do país. Esses são os aspectos decisivos para esse resultado já nessa fase inicial do governo.”
Embaixadora Gisela Maria Figueiredo Padovan, Secretária para a América Latina e o Caribe, Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, disse:
“O objetivo da Cúpula é fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, o único órgão multilateral sediado em Brasília. […] Acreditamos que, na medida do possível, realizamos um processo muito inclusivo, baseado no princípio de que não é mais possível falar sobre a Amazônia sem ouvir as comunidades indígenas e tradicionais e sem valorizar seus conhecimentos. […] e a partir dessa escuta, decidimos fazer uma declaração muito ambiciosa, que estabelecesse uma agenda pela qual os países pudessem se guiar nos próximos anos, com uma gama enorme de temas, desde os mais tradicionais, até o combate ao crime organizado, que não era tão evidente no Tratado. […] O espírito do acordo que estamos construindo em Belém é que estamos abertos a receber cooperação, mas a gestão é nossa.”
Embaixador André Aranha Corrêa Do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, disse:
“A Amazônia se tornou sinônimo de Brasil nas discussões sobre mudanças climáticas. […] Essa Cúpula tem uma dimensão extraordinariamente importante porque é a primeira vez que os países da OCTA se reúnem nesse contexto em que as florestas se tornaram uma questão de primeira linha nas negociações sobre mudanças climáticas. Muitas pessoas ficam surpresas ao saber que nunca houve um alinhamento de países com grandes florestas nas negociações climáticas. Um fato importante é que nada comprova mais a soberania de nossos países sobre esses territórios do que nossa capacidade efetiva de agir sobre eles – a partir da ciência, das instituições, da sociedade civil organizada e das comunidades. Será uma grande demonstração para o mundo de como estamos cientes do desafio que temos e de como estamos preparados para ele.”
Embaixadora Maria Angélica Ikeda, diretora de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, líder das negociações da Cúpula Amazônica, disse:
“Há uma intenção, já comentada pelo presidente Lula, de que os países florestais em desenvolvimento, especificamente RDC, Congo, Indonésia e São Vicente, possam caminhar juntos até a próxima COP do Clima e também em outros fóruns internacionais sobre as agendas de meio ambiente e desenvolvimento sustentável.”
“O texto ainda está em negociação. Não tratamos da questão do petróleo isoladamente, porque quando falamos da Amazônia, é preciso incluir também a mineração e os grandes projetos de infraestrutura. E sobre a questão do desmatamento, queremos sim chegar a um objetivo comum. Outros países, além do Brasil, já têm essa meta, outros são resistentes e, como anfitrião, o Brasil tem que ouvir a todos. Mas esse [objetivo de desmatamento zero] é um objetivo claro que temos e que é do interesse de todos.”
Dr. Carlos Nobre, cientista climático, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – USP, disse:
“Estudos mostram que, se a temperatura da Amazônia continuar a subir, a estação seca se tornará mais longa no sul da floresta. O bioma que estaria em equilíbrio com esse novo clima seria uma savana tropical, não mais uma floresta tropical. Infelizmente, temos no momento os dois vetores agindo juntos – desmatamento e degradação, ao mesmo tempo em que o aquecimento global continua. Se os países com grandes florestas interromperem o desmatamento, eles já estarão fazendo uma grande contribuição para conter a mudança climática, mas cerca de 70% dos gases de efeito estufa são provenientes de combustíveis fósseis, principalmente nos países ricos. Essas nações precisam enfrentar o desafio de reduzir rapidamente as emissões e apoiar financeiramente todos os países tropicais para uma transição para uma economia de floresta em pé“
Luciana Gatti, pesquisadora do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), disse:
“Em nossos estudos, observamos que a área que mais emite carbono na Amazônia é a área mais desmatada – o nordeste da floresta. Essa é uma região que está em média 40% desmatada e mede cerca de 700.000 quilômetros quadrados. Em seguida, vem o sudeste da floresta, com 2 milhões de quilômetros quadrados e quase 30% de desmatamento. A legislação brasileira estabelece um limite de 20% de desmatamento para propriedades localizadas na Amazônia, mas na região de Santarém, no Pará, esse número chega a 70%. A Floresta Nacional do Tapajós está inundada de soja, e a temperatura das áreas preservadas mudou tanto que as grandes árvores mais importantes para a captura de carbono estão simplesmente morrendo durante as chuvas cada vez mais intensas e rápidas. Esse é o processo que está transformando a Amazônia em uma fonte de carbono em vez de um grande sumidouro.”
Márcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, disse:
“Se os líderes dos países amazônicos levam a sério a proteção da floresta, é preciso que haja compromissos tanto para eliminar o desmatamento quanto para impedir a proliferação de petróleo e gás na região. A Amazônia é uma das principais vítimas de um planeta mais quente e de condições climáticas extremas, causadas principalmente pela produção de combustíveis fósseis. Não salvaremos a floresta se incentivarmos a expansão, em suas próprias terras, do que pode matá-la.”
A Dra. Paola Árias, professora da Universidade de Antióquia, membro do IPCC, disse:
“Temos de levar em conta que uma floresta como a Amazônia não cresce e amadurece em questão de 10 ou 20 anos. Por isso é tão importante preservar a vegetação que temos atualmente, e muitos estudos mostram que, na medida em que temos um nível mais alto de desmatamento na Amazônia, níveis críticos podem ser atingidos em termos de estabilidade desse bioma, mas também em termos de mudanças regionais no sistema climático das regiões.”
Dra. Ane Alencar, diretora científica do IPAM, disse:
“Nos últimos 38 anos, a Amazônia foi o bioma que mais queimou no Brasil […]. As queimadas na Amazônia estão diretamente relacionadas ao aumento do desmatamento. Mas houve uma redução significativa do desmatamento neste ano em relação ao ano passado, enquanto as queimadas não seguiram essa tendência de queda. O que explica esse cenário é que os picos históricos de queimadas estão intimamente relacionados a eventos climáticos, especialmente o El Niño, que causa uma seca mais pronunciada na Amazônia.”
Dr. Andrés Gómez Orozco, Coordenador do portfólio de Energia da Censat Agua Viva, Colômbia, disse:
“É necessária uma política transnacional que elimine gradualmente nossa dependência de combustíveis fósseis, e especificamente na Amazônia, dadas as suas condições. O caminho para acabar com os combustíveis fósseis deve incorporar a responsabilidade do Norte global.”
“O esforço fundamental deve ser o de não gerar mais áreas para a extração de combustíveis fósseis. No caso da Amazônia, seu ecossistema não deve ser explorado para a exploração de novos combustíveis fósseis, mas deve ser protegido e impulsionado para a transição para as energias renováveis.”
J.P. Amaral, gerente de Meio Ambiente e Clima do Instituto Alana disse:
“Nossa proposta é que a Cúpula crie um acordo para que a floresta não chegue ao ponto de não retorno. Felizmente, começamos a ver esse sinal a partir da coletiva de imprensa do Itamaraty. Mas o que seria necessário para implementar esse acordo? Um bom desenho incluirá maior fiscalização dos crimes transfronteiriços, políticas sociais e políticas de promoção da bioeconomia e da economia florestal em pé; políticas de combate às queimadas e à poluição do ar; cooperação técnica e transferência de tecnologia; reconhecimento e valorização do conhecimento das comunidades tradicionais; e um banco de dados comum da biodiversidade amazônica, com garantia de proteção dos dados.”
Toya Manchineri, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), disse:
“Defendemos uma política de transição energética justa que não reforce o racismo ambiental que os povos indígenas, as comunidades extrativistas e outras comunidades tradicionais sofrem em decorrência da crise climática. Como somos os guardiões de nossas florestas e protegemos esses territórios com nossas próprias vidas, é inevitável que sejamos contra qualquer forma de “exploração” que beneficie poucos em detrimento da miséria de muitos.”
“Não haverá justiça climática com a continuação de práticas que aumentam a temperatura do planeta. Nós, povos indígenas dos mais diversos povos, somos contra o discurso do desenvolvimento limpo que continua a gerar violência contra a mãe terra e seus protetores“
Ilan Zugman, diretor para a América Latina, 350.org, disse:
“A prioridade de nossos países deve ser melhorar as condições de vida dos mais de 40 milhões de pessoas que vivem na Amazônia e proteger o papel vital da floresta tropical para a humanidade. Para isso, os governos devem garantir que essa região seja uma ‘zona livre de petróleo e gás’ e promover uma transição energética justa que ajude a criar empregos e acesso à energia renovável para todos”, disse Ilan Zugman, diretor da 350. org para a América Latina.
Elaine Shajian Shawit, líder da Coordenação dos Povos Indígenas de San Lorenzo – CORPI SL, disse:
“O impacto da exploração de petróleo nos territórios dos povos indígenas é econômico, social e cultural. Durante anos nos disseram que o desenvolvimento estava na exploração de petróleo, mas fomos afetados por vazamentos de petróleo, temos metais pesados em nosso sangue e os rios estão contaminados. Convido as autoridades e os aliados internacionais a tornar visível como as comunidades estão em um estado de abandono e como o governo não responde às suas necessidades, mas continua a conceder poços de petróleo e a ameaçar a existência dos povos indígenas. Não permitiremos que isso aconteça.”
Claudia Campero, Coordenadora de Parcerias da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, disse:
“Estamos comprometidos com um planeta habitável. Para que isso seja possível, precisamos trabalhar em prol de uma transição energética justa, interrompendo imediatamente a proliferação de todos os combustíveis fósseis e gerenciando uma eliminação gradual e equitativa do carvão, do petróleo e do gás. Isso precisa acontecer em escala global, mas a Amazônia já está trabalhando nesse sentido com a campanha Sí al Yasuní e muitas outras lutas locais lideradas por povos indígenas, que estão defendendo seus territórios e impedindo a expansão da ameaça dos combustíveis fósseis. A Amazônia não é apenas uma região da qual o mundo depende, mas também pode ser um exemplo para mostrar ao mundo como é a verdadeira liderança climática. Pedimos aos presidentes da Amazônia que respondam a esse desafio“.
Caetano Scannavino Filho, coordenador do projeto Saúde & Alegria, disse:
“Prefiro manter as expectativas baixas em relação à agenda oficial da Cúpula. Sabemos que os tomadores de decisão tentarão não abordar a questão dos combustíveis fósseis e que uma meta comum de desmatamento zero ainda não é um consenso entre os países, sendo que apenas o Brasil e a Colômbia estão prontos para essa linguagem. Isso indica um texto final cheio de palavras bonitas, mas com pouco foco na implementação das soluções necessárias. Meu otimismo está na sociedade civil, que tem nesta Cúpula a oportunidade de articular uma grande coalizão entre as principais redes da América do Sul. E o Brasil realmente tem a chance de liderar esse processo, fazendo uma viagem de Belém a Belém, de 2023 a 2025, passando pelo G20 em 2024, fortalecendo a capacidade social de supervisionar as negociações climáticas e pressionar por mais ambição e implementação.”
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O que é a Cúpula da Amazônia? Entenda seus objetivos e desafios - Instituto Humanitas Unisinos - IHU